Política
10 setembro 2021 às 07h00

Morreu Jorge Sampaio, o Presidente que chorava de emoção

Foi Presidente da República de 1996 a 2006. Antes esteve quase seis anos à frente da Câmara de Lisboa e três como líder do PS, tendo perdido as legislativas de 2001 para Cavaco Silva. Licenciado em Direito, nasceu em Lisboa a 18 de setembro de 1939.

Graça Henriques

O antigo Presidente da República Jorge Sampaio morreu esta sexta-feira aos 81 anos, disse à Lusa fonte da família. O ex-chefe de Estado estava internado desde o dia 27 de agosto no Hospital de Santa Cruz, em Lisboa (foi transferido do Algarve), após dificuldades respiratórias. A sua situação clínica tinha-se agravado nos últimos dias. O Governo decretou três dias de luto nacional e os partidos estão a suspender as campanhas das autárquicas.

Era o Presidente que os portugueses estavam habituados a ver chorar. Começou naquele dia de 1995, ainda de pré-campanha para as eleições presidenciais de janeiro seguinte - em Coimbra, Jorge Sampaio cedeu à emoção, o rosto ficou vermelho, as lágrimas a correrem e a voz embargada a lembrar os tempos das lutas académicas, das lutas contra a ditadura salazarista.

Era um homem de lágrima fácil, mas também capaz de dar a maior bronca em público a quem o irritasse. Os portugueses não estavam habituados a que um político lhe entrasse pela casa adentro a chorar e Sampaio, nesse aspeto, teve o dom de humanizar a política.

Antes de Belém, Jorge Sampaio chegou à presidência da Câmara Municipal de Lisboa em 1989, deixando para trás alguém que também viria a ocupar o Palácio de Belém - Marcelo Rebelo de Sousa. Nessa luta eleitoral, conseguiu o grande feito político de juntar em coligação o PS e o PCP.

Anunciou a candidatura à Presidência da República numa jogada de antecipação, não fosse o então líder do PS, António Guterres, optar por outro candidato. Escolheu simbolicamente a Reitoria da Universidade de Lisboa, enquanto na esfera política oposta, Cavaco Silva alimentava o tabu sobre as presidenciais.

A 14 de janeiro de 1996, os portugueses escolheram-no para Presidente da República - venceu com 53,9% contra os 46% de Cavaco, que tinha mesmo decidido avançar. Sampaio conseguia assim a desforra das legislativas de 1991, quando era líder do PS, e foi derrotado pelo então primeiro-ministro que conseguiu a segunda maioria absoluta para o PSD.

O trabalho levado a cabo pelos homens do terreno, sobretudo Pedro Reis e António Manuel, tinha dado excelente resultado. Foi um trabalho árduo, Sampaio tinha saído derrotado das legislativas, era presidente da Câmara Municipal de Lisboa mas seria conhecido no Portugal profundo?

Foi esse Portugal que quis conhecer nos 10 anos de Presidência, numa política de forte proximidade com os portugueses, nas jornadas ou nas semanas temáticas. Indo a fundo nos problemas, dizendo o que considerava estar mal, tantas e tantas vezes incomodando o governo do seu próprio partido. Quer nas áreas da Educação e na Saúde, ou obrigando Guterres a demitir ministros, como aconteceu com Armando para depois da polémica sobre a criação da Fundação para a Prevenção e Segurança Rodoviária.

Na década em que foi inquilino no Palácio de Belém, Sampaio viu-se obrigado a convocar eleições antecipadas por duas vezes. A primeira foi em dezembro de 2001, depois da derrota socialista nas eleições autárquicas e em que Guterres profere o célebre discurso do "pântano" - com uma representação parlamentar 115-115, o primeiro-ministro considerou que não tinha condições para se manter. Jorge Sampaio exigiu-lhe consequências sobre um resultado eleitoral tão débil e o primeiro-ministro socialista demitiu-se.

Convocadas as eleições, Durão Barroso chega a primeiro-ministro em coligação com o CDS de Paulo Portas. Mas em 2004, Barroso troca a liderança do governo pela chefia da Comissão Europeia e Portugal entra em forte agitação política. Sampaio decide-se por não convocar eleições e aceita que o número dois do PSD, Pedro Santana Lopes, chegasse a chefe do executivo.

Isso valeu a Jorge Sampaio a ira dos socialistas. Eduardo Ferro Rodrigues, então líder do PS, não lhe perdoou e demitiu-se da liderança do partido, acusando-o de ter traído as origens políticas. Ao mesmo tempo, Santana era sujeito a um forte escrutínio e permaneceria pouco tempo em São Bento. O governo não durou mais do que quatro meses: Belém alegava "as trapalhadas" que afetavam a credibilidade do Executivo, como o fim do comentário político de Marcelo Rebelo de Sousa na TVI por causa das reclamações do ministro Rui Gomes da Silva que queria contraditório. Depois, foi a demissão de Henrique Chaves que veio dizer que se considerava despromovido em resultado de uma remodelação governamental. Em dezembro, Santana estava demitido.

As eleições de fevereiro de 2005 viriam a dar a primeira maioria absoluta ao PS, num governo chefiado por José Sócrates.

No plano internacional, dois grandes acontecimentos marcaram os mandatos de Jorge Sampaio: a entrega de Macau à China e a independência de Timor. A 19 de dezembro de 1999 Sampaio estava em Macau na cerimónia de transferência da última parcela do império colonial que ainda se mantinha sob administração portuguesa.

Timor-Leste foi uma causa para o Presidente. O mundo acordou para a repressão indonésia sobre a antiga colónia invadida em 1975, quando foram divulgadas as imagens do massacre de Santa Cruz, em 1991. E Sampaio aproveitava todos os palcos internacionais para chamar a atenção para a causa timorense. Estava em Díli no dia em que desceu a bandeira das Nações Unidas (que entretanto tinha enviado uma missão e capacetes azuis para o território) e subiu a bandeira timorense. A 20 de maio de 2002 Timor passou a ser um país independente - o Presidente emocionou-se e chorou.

Depois de terminar os dois mandatos em Belém, em 2006, Sampaio foi chamado a aplicar o seu empenho em causas cívicas nas Nações Unidas. O então secretário-geral Kofi Annan convidou-o para ser o Enviado Especial para a luta contra a tuberculose. Em 2007, já era Ban Ki-moon que estava à frente da ONU, Sampaio foi incumbido de uma nova missão, ser Alto Representante para a Aliança das Civilizações.

Uma das suas últimas batalhas foi a eleição de António Guterres para secretário-geral das Nações Unidas.

A jornalista Graça Henriques já não faz parte da redação do DN