Quarta-feira, 5 de Março de 2025, foi um dia marcante para a democracia moçambicana, com a assinatura do Compromisso Político para um Diálogo Nacional Inclusivo entre o Governo e nove partidos políticos com assento nas Assembleias Nacional, provincial e municipal. O acto é considerado um reflexo da vontade de promover um processo mais participativo e democrático, assente no entendimento e na inclusão de diferentes visões políticas do País. No entanto, a exclusão de Venâncio Mondlane, principal rosto da oposição, gerou críticas, especialmente após a sua comitiva ter sido atacada no dia da cerimónia.
Texto: Milton Zunguze
O evento contou com a presença do Chefe de Estado, Daniel Chapo, do secretário-geral da Frelimo, Chakil Aboobacar, do presidente do Podemos, Albino Forquilha, da secretária-geral da Renamo, Clementina Bomba, do presidente do MDM, Lutero Simango, e do presidente da Nova Democracia, Salomão Muchanga. Participaram ainda representantes de vários movimentos políticos, como Revolução Democrática, Pahumo, Pareso e Parena, além de membros da comunidade internacional, diplomatas e enviados de países vizinhos.
A sociedade civil também marcou presença, num sinal de compromisso com o estabelecimento de uma plataforma de diálogo que visa reformas estruturais, incluindo mudanças na Constituição, reforma do sistema de justiça, melhoria da administração pública e novas políticas para a exploração de recursos naturais.
No fim da cerimónia, Dossiers & Factos ouviu o vicepresidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE), Fernando Mazanga, que considerou que havia condições suficientes para um diálogo inclusivo, mas alertou que a inclusão deveria ser “em todos os aspectos”. Reconheceu Venâncio Mondlane como “uma peça fundamental no processo”, mas destacou que a falta de um partido político impediu a sua participação oficial no acordo. “O Venâncio Mondlane não tem nenhum partido neste momento, mas é a peça fundamental no País”, afirmou, sublinhando que ignorar este facto equivale a “tapar o sol com a peneira”.
Mazanga criticou a exclusão de Mondlane e questionou a condução do diálogo. “O que estamos realmente a fazer pelo bem deste País?” Perguntou, enfatizando que, enquanto os líderes políticos estavam reunidos em salas com ar-condicionado no Centro Internacional de Conferências Joaquim Chissano, Mondlane estava nas ruas com o povo, tendo sido atacada a sua comitiva pela Unidade de Intervenção Rápida (UIR). Para o vice-presidente da CNE, Daniel Chapo deveria ter priorizado o diálogo directo com Mondlane, mesmo que fosse num encontro restrito entre os dois. Ademais, Mazanga descreveu os actuais signatários do acordo como “fauna acompanhante” do processo.
Questionado sobre a vontade do actual Presidente moçambicano em manter um diálogo com Mondlane, Mazanga usou uma metáfora teatral: “Começámos pela morte. Não podemos escamotear a verdade”. Defendeu ainda que a reconciliação com Mondlane é essencial para o sucesso do diálogo nacional inclusivo. “O País precisa deste diálogo, mas tem que ser estruturado, sem ódio nem ressentimento”, afirmou, acrescentando que se deveria ter considerado uma amnistia aos cidadãos presos no contexto das manifestações pós-eleitorais, em vez de apenas um indulto, pois “a amnistia é mais ampla e abrangente”.
“Problemas eleitorais não residem na lei em si”
Relativamente às reformas eleitorais previstas no rol das questões a serem discutidas, Mazanga afirmou que a lei eleitoral moçambicana, em teoria, é adequada e funcional. “A nossa lei estava boa, o problema são os actores envolvidos”, disse, sugerindo que a questão central não está na legislação, mas na sua implementação. Segundo o vice-presidente da CNE, interferências externas no processo eleitoral comprometem a transparência e a precisão das eleições.
Mazanga foi mais longe ao acusar a CNE de manipular resultados eleitorais e fornecer dados falsos ao Conselho Constitucional. “A CNE mentiu aos moçambicanos, deu resultados falsos que o Conselho Constitucional encontrou e depois corrigiu. Aliás, o Conselho Constitucional acabou por fazer o apuramento, uma tarefa que deveria ser da CNE”. Para Mazanga, o Conselho Constitucional não deveria ter assumido um papel activo na apuração dos votos, mas sim ter chamado a CNE à razão para que esta cumprisse a legislação eleitoral.
Conselho Cristão defende diálogo contínuo
O bispo Rodrigues Dambo, do Conselho Cristão de Moçambique, destacou a importância de um diálogo contínuo e inclusivo para a construção de um Moçambique mais justo e democrático. Celebrou o avanço do processo, que passou de quatro para nove partidos participantes, e afirmou que a inclusão de mais actores políticos e sociais é essencial para compreender as diferentes visões do País.
Dambo sublinhou que o diálogo deve ser um processo contínuo, adaptado aos desafios de cada contexto. “Se dialogarmos hoje e ultrapassarmos os obstáculos deste contexto, devemos continuar a dialogar para enfrentar novos desafios”, afirmou.
O acordo visa responder a desafios políticos, económicos e sociais, como a falta de integridade no processo eleitoral, o elevado custo de vida, o desemprego, a corrupção e a necessidade de reformas institucionais. O documento propõe uma revisão constitucional focada na reforma do Estado, do sistema de justiça e do sistema eleitoral, além de medidas para melhorar a administração pública, a exploração de recursos naturais e a inclusão económica, com especial atenção aos jovens, mulheres e pessoas com deficiência.
O compromisso assenta em princípios como o Estado de Direito Democrático, o respeito pelos direitos humanos, a unidade nacional e a construção de consensos. Para garantir a sua implementação, será criada uma Comissão Técnica composta por representantes dos partidos signatários e membros da sociedade civil, com um prazo de dois anos para a execução das reformas.
As partes comprometeram-se a garantir transparência, mobilizar fundos e monitorizar o cumprimento do acordo. O documento prevê ainda a concessão de um indulto a cidadãos condenados no contexto das eleições de 2024 e de manifestações consideradas “violentas”, como um gesto de reconciliação nacional. O acordo será submetido à Assembleia da República para aprovação e a sua implementação será avaliada trimestralmente para assegurar o cumprimento das metas estabelecidas.