Vestindo uma camisa preta, Vanessa Sales Félix chegou ao 1º Tribunal do Júri, no Centro do Rio, acompanhada dos advogados. Ansiosa pelo resultado do júri popular, a mãe da menina Ágatha Félix, morta por um tiro de fuzil em 2019, disse que acredita na condenação do réu. O policial militar Rodrigo José de Matos Soares é acusado pelo disparo que feriu a criança. A audiência estava marcada para começar às 11h, no entanto, mas houve atraso das testemunhas. Dez pessoas serão ouvidas, entre as arroladas pela acusação e pela defesa. O julgamento teve início com 1h30 de atraso.
Ágatha, de 8 anos, foi atingida nas costas por um tiro de fuzil dentro de uma Kombi na comunidade da Fazendinha, no Complexo do Alemão. A criança e a mãe voltavam para casa quando o veículo foi atingido.
— Eu tô com um mix de emoções. Ansiedade, tristeza, euforia… Tudo ao mesmo tempo. Mas com esperança que a Justiça seja feita. Eu acredito na Justiça — afirmou Vanessa.
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Ao longo dos cinco anos de espera pelo julgamento, a mãe da menina conta que durante todo esse tempo conviveu com a tristeza e saudade pela perda da filha.
— Podem passar anos, séculos, que eu sempre vou sentir a falta — lamentou. — Esse sentimento sempre vai existir. A saudade e a tristeza… Mas também a gente tenta sorrir, tenta sobreviver por conta das memórias que ela deixou aqui.
O juiz Cariel Patriota preside o julgamento. Na primeira etapa do júri popular foram sorteados os sete jurados que vão participar. Ele é formado por duas mulheres e cinco homens, um deles negro. Em seguida, as testemunhas são ouvidas. A primeira delas é a mãe de Ágatha, Vanessa.
Testemunhas são ouvidas
Logo no início, Vanessa não conteve as lágrimas ao relembrar o dia da tragédia. Com muita dificuldade, a mãe da menina relatou que as duas voltavam do shopping onde Ágatha tinha ido fazer um lanche. Ela estava no colo da mãe na kombi quando vagou um lugar, e ela pôde se sentar no banco. Em seguida, a filha começou a gritar: "mãe, mãe, mãe!".
Ela ainda tentou acalmar a menina, quando viu o ferimento no corpo da filha.
— Eu não estava acreditando no que tinha acontecido com ela. Comecei a gritar. "Criança baleada", gritaram os moradores quando perceberam que a criança tinha desfalecido. Ela já não falava e não reagia. Eu não conseguia falar com ninguém, estava sem telefone, sem internet — contou Vanessa.
Ela contou que os PMs que estavam na UPA do Alemão não teriam deixado a menina ser socorrida ali. Eles colocaram a criança na viatura e a levaram para o Hospital Estadual Getúlio Vargas. No trajeto, a mãe dizia para Ágatha: "A mãe tá aqui". Mas a criança não respondia.
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O réu ouviu atentamente o depoimento da mãe da menina e em alguns momentos chegou a abaixar a cabeça. A defesa do PM não quis fazer perguntas a Vanessa. A advogada justificou o fato dizendo que queria poupá-la de ter que relembrar aquele dia.
Acusação e defesa
Assistente de acusação, o advogado Rodrigo Mondego disse que busca a responsabilização do réu para dar uma resposta para família e para a sociedade:
— Viver em uma cidade onde uma criança é morta voltando para casa com a mãe, depois de ter feito compras, isso não pode, não é razoável, não é legal, não é correto, e não é civilizado a gente viver numa sociedade que vitimiza a criança — disse.
A defesa do PM deve usar como estratégia na audiência fotos da filha de Soares, que tem a mesma idade de Ágatha, numa tentativa de sensibilizar o júri. Em nota, a defesa afirma que Soares, "no dia do fato, bem como durante seus mais de 11 anos de corporação zelou fielmente pelo seu papel de servir e proteger", que não há provas nos autos que aponte o PM como o autor do disparo e que a morte da menina "é fruto da violência e da criminalidade que assola o Estado do Rio de Janeiro". O réu responde em liberdade.
Relembre o caso
Segundo a investigação da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), a versão apresentada pelo agente após o crime foi contestada pela perícia feita no local. Soares e um colega de serviço alegaram que foram atacados por uma dupla que passou de motocicleta atirando. Para a Polícia Civil, entretanto, não ocorreu confronto nem havia outras pessoas armadas no momento do crime: homens que passavam com uma esquadria de alumínio foram confundidos com bandidos e alvo de tiros dos PMs.
No mesmo momento, Ágatha e sua mãe passavam pelo local no banco traseiro de uma Kombi. Segundo a investigação, um dos tiros disparados pelo cabo Soares ricocheteou num poste, entrou pela traseira do veículo, rasgou o forro do assento e atingiu a menina. Segundo a perícia feita no projétil, foi um estilhaço que causou a morte da menina, perfurando suas costas e saindo pelo tórax.
O policial militar chegou a participar da reconstituição da morte de Ágatha, dez dias depois do crime. Colegas de Soares ouvidos pela DH-Capital à época afirmaram que o cabo estava “sob forte tensão” no momento em que atirou devido à morte de um PM três dias antes, também no Alemão, e, por isso, fez os disparos.
O cabo foi denunciado pelo Ministério Público estadual pelo crime de homicídio duplamente qualificado, por motivo torpe e mediante recurso que dificultou a defesa da vítima. A Justiça, por sua vez, aceitou a denúncia em dezembro de 2019 e Soares virou réu.
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