Joaquim Fidalgo tem toda a razão quando analisa o modelo francês de apoio aos media que, na sua justificação governamental, pretende satisfazer três objetivos essenciais: “O aumento da difusão de imprensa, a defesa do pluralismo, e a modernização e diversificação das empresas de imprensa no caminho para o multimédia.”

Em Portugal, assume-se infelizmente que o segundo objectivo está garantido e no último apostou-se no hardware, que dá dinheiro às empresas tecnológicas, agora e na manutenção futura, como se ainda se estivesse no final do século XX.

Quanto ao aumento da difusão jornalística – aquilo que verdadeiramente pode assegurar a independência do jornalismo -, o interesse é mínimo.

O retrato repetido da miséria noticiosa mostra-se ideal para a governação – esta ou outra -, num cenário de (des)respeito pelo trabalho dos jornalistas em que até alguns deputados acham normal roubarem conteúdos jornalísticos.

Há vários modelos de financiamento público dos media por todo o mundo.

Num evento da APImprensa, há uns anos, o investigador Carlos Camponez listou uns quantos pelo que, seguindo a ideia de Fidalgo, não se está aqui a ser um inovador interessado numa determinada linha que possa favorecer qualquer grupo nacional em detrimentos de outros, recentes ou emergentes.

Há um modelo de apoio aos media interessante e sem grandes críticas, que eu tenha detectado, com origem no Canadá. O principal financiamento elimina o favorecimento através de um controlo rigoroso do que é pedido e feito. O dinheiro só é dado após validação da proposta. O financiamento num ano não é garantia de apoio no ano seguinte, nem de exclusão. Não é a antiguidade que é financiada, é a novidade sustentada. Tudo é divulgado publicamente; o cómodo segredo não é penalizado porque não existe de forma generalizada.

Podemos sonhar em Portugal com um modelo como este (transparente, eficaz, regras abertas, conhecidas de todos e atempadamente)? Não.

Porque se perdia a vantagem de ter media “simpáticos” para o poder.

Porque é mais fácil gritar pela diversidade democrática do que dar um passo estruturante nesse sentido.

Porque políticos e donos financeiros dos media se alinham facilmente, como foi tão bem retratado em 2010 na Comissão de Ética do Parlamento a propósito da potencial aquisição da TVI pela PT (actual Altice), quando José Eduardo Moniz lembrou também um episódio, em 2001, quando José Sócrates era ministro do Ambiente, em que “houve uma reportagem que o desagradou e ele pediu ao jornalista para ver se a notícia não era transmitida. Nós passámos a reportagem e fui chamado por Pais do Amaral ao seu gabinete”. Moniz contou: “Disse-me que era amigo de Sócrates e que considerava a emissão da reportagem exagerada. E disse que não estava para ter problemas como no O Independente, porque não queria prejudicar os seus negócios por causa da informação da TVI” (Diário Económico, 10 de Março de 2010).

Quase 50 anos depois do 25 de Abril, “Dentro de uma perspectiva política a discussão sobre o papel do jornalismo na sociedade portuguesa, articulou-se, em função do espectro político, em torno de algumas ideias principais. A primeira ideia, defendida pelos partidos de esquerda (BE e PCP) e seus apoiantes, é que o jornalismo, nas sociedades capitalistas, favorece o poder económico, sendo que as notícias não são neutras mas sim produto da ideologia capitalista. A segunda, muito frequente entre os apoiantes do partido socialista no governo, é que os políticos devem apresentar a «boa propaganda» e minimizar os temas polémicos. Seguindo este raciocínio é esperado que o jornalismo tenha como objectivo informar e formar a opinião pública em «função dos interesses» definidos pelo governo como de interesse público e evitando aquelas que possam aprofundar o mal-estar e as dúvidas sentidas pelos eleitores. Uma terceira ideia, mais comum nos partidos de oposição situados à direita e à esquerda, é que o jornalismo e a política estão intrinsecamente vinculados aos interesses dos partidos que alternadamente ocupam o poder (os chamados Partidos do Centro) e por isso tendem a manter uma cumplicidade com os grupos de interesse aí representados. Uma última ideia, recorrente em momentos de fortes agendas de “escândalo político” e “corrupção económica”, está associada à tradicional concepção de jornalismo como “quarto poder” e “cão de guarda” dos interesses públicos”, como escreveu Isabel Ferin também em 2010  (“Televisão e Cobertura das Legislativas de 2009: das estratégias às crises”).

Mas é bom recordar que esta ocupação política do espaço jornalístico também decorreu da ausência/desinteresse dos próprios jornalistas. Eles foram um pouco desleixados com a sua auto-regulação, diz Carlos Camponez: “Em 1990, quando o Governo social-democrata extinguiu o [Conselho de Imprensa ou CI], uma das questões que suscitou alguma celeuma, por parte dos jornalistas, teve a ver com o papel moral que o CI exercia, nomeadamente, recebendo queixas dos cidadãos. Havia sanção moral, havia pareceres emitidos e publicados na imprensa. Quando os jornalistas questionaram a extinção do CI, neste domínio das atribuições de carácter ético e deontológico, o Governo disse que essas eram matérias que competiam à sociedade civil e que o Estado não tinha de se imiscuir nelas. Ora, é curioso que o ministro Santos Silva, do último Governo do PS, venha dizer, como justificação das medidas para a tal captura da deontologia dos jornalistas, que era preciso acabar com o liberalismo, quer dos jornalistas, quer dos meios de comunicação social. Em 20 anos, o Estado desregulou o sector, nas matérias de ética e deontologia, e depois disse: é preciso pôr aqui alguma regulação. Obviamente, podemos sempre dizer – e esse é o argumento dos políticos – que os jornalistas não ocuparam esse espaço. Mas os jornalistas foram, na altura, através do [Sindicato dos Jornalistas ou SJ], aqueles que mais se preocuparam em recriar o CI e nunca o conseguiram porque os empresários não se mostraram muito empenhados no processo. E depois verificou-se que o SJ, por si só, não tinha meios para sustentar um organismo desse género.”

Esta “paródia do jornalismo“, como tão bem lhe chama António Guerreiro, arrasta-se há décadas e prossegue sem atenuantes à vista: “Nos jornais televisivos dos canais comerciais, onde todo este processo tem uma força maior, podemos ver como os media são agora feitos para serem vistos, ao contrário de um antigo preceito. E isto significa que eles se dobram constantemente sobre si próprios, são ostensivos, exibem a sua medialidade e comemoram-na numa festa permanente. E a presidir a esta cerimónia estão jornalistas com nome, que os seus interlocutores políticos gostam de pronunciar para dar ares de família e para eterna glória da infra-estrutura mediática que nenhuma agenda política, progressista ou conservadora, ousa submeter a uma metamorfose radical”.

Em resumo, o jornalismo português precisa de apoios públicos, tal como as artes. Estando a comunicação social sob alçada do Ministério da Cultura, este sabe como lançar concursos públicos. Falta saber como o fazer de forma honesta, não desigual, promotora da originalidade (sem definições ambíguas como “projectos de qualidade”) e sem interferências político-empresariais para agilizar uma maior concentração privada paga com dinheiros públicos.

Plataformas interesseiras ou interessadas?

O financiamento das plataformas privadas que alegadamente querem salvar o jornalismo já contaminou mais de 70 orgãos de comunicação social em Portugal. Um dos apoiados, o Público, “é líder destacado na circulação digital: com 46.450 exemplares de um total de 62.033 na imprensa diária, o jornal ocupou uma quota de mercado de 75% em 2022, uma subida face aos 73% registados em 2021″. No entanto, um terço do tráfego online do Público já teve origem no Google (ver aos 12:02):

Um outro caso interessante para análise é o da Stuff australina na sua relação com a Meta: News site Stuff left Facebook. Seven months later, traffic is just fine and trust is higher:

 

Quer isto dizer que as plataformas como a Google ou a Meta são parceiros interessantes para o estímulo (e financiamento) do jornalismo de qualidade ou “armadilhas” mais interessadas em captar as notícias sabendo que “content is king“? Nada disto é linear.

As seguintes ligações para vários textos sobre esta situação em diferentes países permitem ter uma percepção própria sobre as respostas a algumas destas questões:

Charting Revenue: How The New York Times Makes Money

New York Times revenue in a bar chart

The future of funding journalism: Publishers report revenue diversification, philanthropy and public funding key to sustainability.

The Truth Is Paywalled But The Lies Are Free

Funding Intermediaries: Google and Facebook’s Strategy to Capture Journalism: the platforms’ strategic decision has not only been to distribute money through a complicated governance structure, but also to target parts of the industry that have been hurt by an ongoing crisis, aggravated by the platforms’ dominance of the advertising industry. However, funding journalism ensures neither media capture, i.e., positive or lack of critical coverage, nor regulatory capture, i.e., avoiding or adjusting regulation. As a result, we ultimately propose to approach capture as a political-economic concept to study platform power.

What really happened to newspaper revenue (Google Research): Almost half of the overall decline of newspaper revenue has come not from Search or social advertising, but from the loss of newspaper classifieds to specialist online players. Can Google Fix the $108 Billion News Industry It Helped Break? The tech giant is offering to pay some European publications for their content. But it might have to do more to win them over. Google a besoin des médias et les médias ont besoin de Google. Spamming the regulator: How Big Tech’s ‘economic consultants’ undermine EU competition policy. Google News Showcase no puede sustituir a la Ley de Propiedad Intelectual ni al derecho del editor

Building and engaging specific audiences (a WAN-IFRA led programme in partnership with the Google News Initiative Digital Growth Programme, created to help establish and grow the online business of news publishers who have more recently started developing their digital platforms.) Google: We supported 662 journalism projects in Europe. Google is giving $1 billion to news publishersto help convince governments not to take a whole lot more than that.

Google veut bloquer l’accès aux nouvelles au Canada en réaction au projet de loi C-18: Le projet de loi sur les nouvelles en ligne, également connu sous le nom de projet de loi C-18, obligerait les géants du numérique tels que Google et Meta, propriétaire de Facebook, à négocier des accords qui compenseraient les médias canadiens pour la republication de leur contenu sur leurs plateformes.

Bill C-18 would ensure big tech companies pay for use of Canadian journalism. Projet de loi C-18 : des défenseurs des médias dénoncent l’attitude de Google

Spain competition watchdog opens Google probe: The probe seeks to determine if Google and its parent company Alphabet abused their “dominant position” in the Spanish market, competition watchdog CNMC said in a statement late on Tuesday. “Specifically, these practices consist of the possible imposition of unfair commercial conditions on publishers of press publications and news agencies established in Spain for the exploitation of their copyrighted content,” it added.

Where did Facebook’s funding for journalism really go? While Meta has frequently promoted its investments into local journalism, tracing this funding has been surprisingly difficult: there are no disclosure requirements and Meta does not keep a public register of payments that researchers and journalists can scrutinize.

Facebook sigue liderando con mucho margen el envío de tráfico desde redes sociales a los medios

Como a Google está a sufocar os media independentes na América Latina: Uma das iniciativas de notícias mais conhecidas, o Google Innovation Challenge, “produziu dezenas de projectos relacionados com a tecnologia e vários milhões de dólares foram entregues a redacções em todo o mundo, mas a lacuna existente não foi resolvida”. Nenhum desses projectos “abordou com sucesso o problema de como as redacções, de pequeno e médio porte, podem acompanhar os padrões definidos pelo algoritmo da Google”.

Google se acerca a editores regionales y digitales mediante acuerdos de remuneración. Se develó el misterio de las ganancias de Google por publicar noticias

Could Media Companies Soon Collectively Negotiate Against Platforms? One inherent disadvantage of media companies when talking about platforms is their size. Compared to Facebook or Google, a publisher will never be able to negotiate with any sort of heft. That might actually change. (…) Google is trying to increase its revenue by keeping users on its platform versus sending those users to your site. That should be compensated. But I do not believe publishers should receive cold, hard cash simply for existing. That makes zero sense to me. And I get it; I am supposed to be pro publisher. I am. There just has to be some logic to all of this. If Google is not providing some sort of value in exchange for content, it should pay. Otherwise, it makes no sense.

Why Google and Facebook are being asked to pay for the news they use.

Making Google and Facebook pay? L’inventeur du Web contre l’idée de faire payer Facebook et Google.

Comparing the EU press publishers’ right and Australian Draft Media Bargaining Code

What Is Happening With Google in Australia? Facebook threatens to block news in Australia if regulations are enacted. Australia’s news media bargaining code pries $140 million from Google and Facebook: Outlets big and small are being paid for their content, and a government review aimed at improvements is underway. 8 Facts about Google and the News Media Bargaining Code. Google Australie bloque l’accès web à certains médias. Australian news sites’ traffic falls after Facebook blocks content vs Facebook Deliberately Caused Havoc in Australia to Influence New Law, Whistleblowers Say: When Facebook blocked news pages last year to pre-empt Australian legislation that would force it to pay for content, it also took down hospitals, emergency services and charities. The company says that was inadvertent; whistleblowers allege it was a negotiating tactic. Facebook’s brazen attempt to crush regulations in Australia may backfire: News publishers are caught in the crossfire as the social media giant flexes its power. Australia se declara ganadora de la batalla con Google y Facebook tras cerrarse el último acuerdo que faltaba: The News Bargaining Code is dead. Long live the News bargaining chip: We can see why News and Nine are happy: They get money. But why are the victims of this shakedownGoogle and Facebook – happy to be coughing up? Because their core operations of Google search and Facebook news feed have been quarantined and their monopoly rents untouched. News Corp. changes its tune on Big Tech. Google News Showcase launches in Australia: The benefits of News Showcase for publishers: News Showcase contributes to a sustainable business model and helps deepen their relationships with readers. A battle down under for online news. Australian prime minister says Bing could replace Google. Will Google and Facebook really axe some services in Australia and what will that mean? Facebook calls Australia’s bluff: But Google gives in. Prime Minister says Facebook shouldn’t be used to get information on the safety of COVID-19 vaccines, anyway. Google is leading a vast, covert human experiment. You may be one of the guinea pigs. Australia pressured Google and Facebook to pay for journalism. Is America next? Australia is making Google and Facebook pay for news: what difference will the code make? Australia takes on Google advertising dominance in latest Big Tech fight. Por qué Google amenaza con irse de Australia y cuáles son las implicaciones para el resto del mundo

Google to raise advertising fees to offset French, Spanish GAFA tax. Google y Facebook deberían pagar 263 millones al año a los periódicos. Spain’s new Google and Tobin taxes to generate about €1 billion this year. La taxe GAFA, c’est vous qui la payez! Taxer et réglementer Google pénalisera les consommateurs et les sous-traitants. Europe will go it alone on digital tax reform in 2021 if it must, says EU president, as bloc directs €150BN in COVID-19 relief toward cloud, AI and broadband

Facebook to pay UK media millions to license news stories. Facebook News: UK publishers welcome tech giant’s cash-for-content offer as ‘good enough to be worth doing a deal’

We had to take full ownership of data’: Why Denmark’s biggest news site cut reliance on Google’s tech. Les principaux médias danois vont s’unir pour négocier collectivement leurs droits d’auteur avec les géants du web comme Google et Facebook

How France tamed Google: France has hit Google with fines totalling €720 million this year. The money is meaningless – but the changes could be profound. Google a signé un accord pour rémunérer la presse française au titre du “droit voisin”. Related rights: the Autorité has granted requests for urgent interim measures presented by press publishers and the news agency AFP. Google DNI: 20,1 millions € alloués pour 75 projets français. Désaccord entre les journalistes de 20 Minutes, Facebook et Google sur la rémunération des droits voisins (Google: Un point sur nos avancées avec les éditeurs de presse en France). Inside Google’s Deal with the French Media

If tax havens scare you, monopolies should too. And vice versa. [Porque, ao contrário dos Estados, pode ser difícil saber a sede dos monopólios…]

Nota: alguns textos são de acesso condicionado.

act.: The Value of News Content to Google is Way More Than You Think: Now, a new study finds that the value of news is far higher than policymakers or publishers think it is, at least on Google Search, which accounts for the majority of Google’s $280 billion annual revenue. The study (…) assessed the value of journalistic content on the Google search engine in Switzerland and its impact on user behavior and satisfaction, concluding that the market share of Google searches that use media content results in an estimated revenue of about $440 million per year. It suggests that if Google did not have a dominant monopoly position in web search and faced serious competition, fair compensation for the value that media content provides to Google search would amount to about 40% of total revenue, or approximately $176 million per year in Switzerland alone.