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Felipe Zmoginski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

TikTok proibido nos EUA: briga é para frear emergentes como China e Brasil

Logotipo do TikTok em escritório da empresa em Culver City, na Califórnia: dados de americanos ficam em servidores na Virgínia (EUA) - Patrick T. Fallon/AFP
Logotipo do TikTok em escritório da empresa em Culver City, na Califórnia: dados de americanos ficam em servidores na Virgínia (EUA) Imagem: Patrick T. Fallon/AFP

31/03/2023 04h00

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Há uma parte do mundo, liderada pelos Estados Unidos, mas também composta por nações da Europa Ocidental e alguns países aliados, como o Japão e a Coreia do Sul, à qual é permitido inovar, ter sucesso, enfim, desenvolver-se. Para outra parte, no entanto, inovar e competir nas cadeias produtivas de maior valor, como a indústria de tecnologia, é um grave pecado.

Alguns teóricos chamam esta divisão de "países do centro" versus "nações da periferia". É uma teoria que causa controvérsia, mas o caso TikTok é bastante emblemático para validá-la.

Se não, vejamos.

Na última semana, autoridades americanas voltaram a emparedar a ByteDance, empresa chinesa dona do TikTok. A exigência americana é a venda total da operação do TikTok nos Estados Unidos para uma companhia local ou o banimento do app no país. A justificativa usada é a de que o TikTok espiona os usuários e, potencialmente, poderia repassar dados de cidadãos americanos ao governo chinês.

Note que a determinação americana é binária.

Não se trata de aprimorar as regras de privacidade, de impor uma coleta restritiva de dados. Mas sim uma solução radical: ou nos entrega sua operação (e sua tecnologia) ou vamos proibir você.

A mensagem não verbalizada na ameaça americana é de que o app não será proibido apenas nos Estados Unidos, mas haverá pressão progressiva para que múltiplos países aliados também o façam, na prática, sufocando um competidor global das big techs americanas, como o Google ou Facebook, com quem a ByteDance compete pelo bilionário mercado de publicidade digital.

A acusação de espionagem é a mesma feita, há quatro anos, contra a Huawei, empresa que desenvolveu competências em conectividade 5G capazes de bater soluções dos "países do centro", como as criadas por Siemens e Cisco, por exemplo.

Note que, no caso do TikTok, os servidores que armazenam dados de usuários americanos ficam na Virgínia, ou seja, sob leis locais e não subordinadas à China.

É evidente que todas as big techs, potencialmente, representam um risco de espionagem e de manipulação.

A eleição de Trump, em 2016, o plebiscito que definiu o Brexit e até as eleições de 2018, no Brasil, mostraram como bots e ajustes de algoritmos podem ajudar ou bloquear uma causa, jogar a opinião pública nesta ou naquela direção.

Neste sentido, claro, os Estados Unidos não querem ver uma rede social controlada por uma corporação com sede em um país que não é seu aliado.

Observe que, em termos de espionagem, o caso Snowden, revelado em 2013, mostrou com riqueza de detalhes como Facebook, Google, Microsoft e outras empresas americanas repassavam dados de usuários a seus governos, sem anuência do judiciário.

O escândalo não proibiu o Google e o Facebook de continuarem operando, o que comprova o óbvio: o problema com o TikTok não é o "respeito à privacidade", mas seu DNA independente, made in China.

Alguém poderia argumentar que a restrição à China se deve ao fato de este país não ser "democrático" ou não ter um judiciário independente. Pura hipocrisia. Tome a colaboração estreita dos Estados Unidos com a Arábia Saudita para que fique claro que o déficit democrático, uma realidade inegável na China, não é o ponto central desta equação.

A lição que grita a partir do caso TikTok (já demonstrado no episódio Huawei) é que pequenos países podem ascender e se desenvolver, bem como economias que não representem, em última análise, uma ameaça à liderança americana, como é o caso da Coreia do Sul, país, digamos, "sob controle", inclusive sede de bases militares dos Estados Unidos.

Até o modesto progresso tecnológico do Brasil, vez por outra, é obrigado a lidar com a barreira invisível de não pertencer "ao centro".

No início deste ano, a brasileira Iveco foi proibida de exportar para as Filipinas o blindado Guarani, que usa alguns componentes alemães. Para diversos especialistas, o bloqueio foi retaliação por o país manter-se neutro no conflito Ucrânia-Rússia.

Anos antes, a Embraer teve que recorrer à Organização Mundial do Comércio para impedir que a canadense Bombardier desfrutasse de subsídios de seu país que desequilibravam injustamente a competição entre as empresas.

Como se vê, o Brasil pode exportar produtos agrícolas à vontade, bem como a China pode vender brinquedos de plástico sem constrangimento. Ao ingressar nas cadeias de maior valor agregado, no entanto, os países emergentes não são tão livres assim para "emergir".