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Sucesso no TikTok, brasileiro coloca termo 'motoboy' na boca de portugueses

Ricardo Dornelles de Oliveira, entregador brasileiro que mora em Portugal e popularizou o termo "motoboy" por lá - Arquivo Pessoal/Ricardo Dornelles de Oliveira
Ricardo Dornelles de Oliveira, entregador brasileiro que mora em Portugal e popularizou o termo 'motoboy' por lá Imagem: Arquivo Pessoal/Ricardo Dornelles de Oliveira

Natália Eiras

Colaboração para Tilt, de Lisboa (Portugal)

18/03/2023 04h00Atualizada em 21/03/2023 07h54

A rotina de Ricardo Dornelles de Oliveira, de 24 anos, é corrida. Além de ser entregador de aplicativos de delivery, ele é imigrante em Portugal, onde precisa lidar com regras de trânsito diferentes e descobrir normas de convivência com outros estrangeiros. Tudo isso correndo para transportar encomendas e torcendo para ganhar cinco estrelas e, quem sabe, uma gorjeta.

Fora das ruas, Rick, como é conhecido no Tik Tok e no Instagram, virou uma celebridade. Ao mostrar, de forma bem humorada, como são os seus dias de entregador, conquistou quase 1 milhão de seguidores em quatro meses. De quebra, fez os portugueses adotarem uma palavrinha nova. Por causa dele, agora falam "motoboy", em vez do tradicional "estafeta".

"Quero mostrar que essa é uma profissão de verdade. Não fazemos apenas para ganhar uma renda extra, mas é algo em que se pode crescer e que tem muita dignidade", diz, em entrevista a Tilt.

Natural de Imbituba (SC), Rick mora em Portugal há um ano e quatro meses. Antes disso, ele já trabalhava há pelo menos quatro anos como motoboy no Brasil. Começou a fazer entregas quando ficou desempregado e a grana apertou. Logo, pegou gosto pela atividade. Como nem todo mundo entendia que era trabalho e não um bico, ele não expunha sua profissão nas redes sociais.

Antes de chegar a Portugal, tentou ir para os EUA, mas teve seu visto negado três vezes. Agora, divide seu tempo entre Lisboa, capital do país, e Porto, segunda cidade mais populosa, no norte do território.

Nunca tive um sonho de vir para cá, mas queria viajar, conhecer o mundo. Vim para Portugal porque foi o primeiro país que abriu as fronteiras depois da pandemia. Tive 15 dias para comprar minha passagem e chegar aqui
Ricardo Dornelles de Oliveira

Motoboy por amor

Inicialmente, trabalhou na construção civil, um dos setores que mais emprega imigrantes brasileiros, e como alpinista industrial. Quando percebeu que não valia a pena financeiramente, voltou a fazer entregas.

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Ricardo Dornelles de Oliveira, entregador brasileiro que mora em Portugal e popularizou o termo 'motoboy' por lá
Imagem: Arquivo Pessoal/Ricardo Dornelles de Oliveira

Em Portugal, postava seus passeios turísticos, trilhas e mensagens motivacionais no Instagram. As mudanças no algoritmo na plataforma do Meta o desanimaram, mas viu seu perfil no TikTok crescer. Neste momento, no entanto, já não tinha tempo para outra coisa além de trabalhar.

"Quando resolvi voltar a postar, tudo o que fazia era trabalhar nas entregas para ter dinheiro. Então tive que fazer vídeos sobre isso, não tinha mais o que mostrar."

Em seus vídeos, ele registra:

  • momentos de espera para os pedidos caírem em seu aplicativo;
  • situações mais estressantes, como os dias de chuva;
  • até mesmo o acidente que sofreu.

Ele explica que ser um estafeta em Portugal não é só pegar uma moto e sair pilotando.

"São outras regras de trânsito, tive que aprender como trabalhar por aqui. No Brasil, os motoqueiros são muito unidos. Aqui é diferente. Tive que conhecer as pessoas e entender como as coisas funcionavam. Mas fiz amizade com todo mundo e, hoje em dia, mesmos os imigrantes de outras nacionalidades me param e me cumprimentam."

Acontece que entre os imigrantes há uma concorrência. Integrantes dos povos romani, paquistaneses e brasileiros, por exemplo, competem por territórios e pontos de entrega.

Seus posts ficaram famosos não apenas entre os mais de 210 mil brasileiros que residem em Portugal, mas também entre os portugueses. Rick é reconhecido por celebridades locais, como os ex-BBBs de Portugal Bernardina Brito e Fábio Faísca. Já esteve em programas de vários veículos de comunicação do país, como as emissoras de TV SIC, a Porto Canal, a Record TV Europa e a rádio Mega Hit. E, mais importante, fez com que muitos apresentadores usassem o termo "motoboy" no sotaque português -em Portugal, os entregadores de aplicativo são chamados de "estafetas".

Foi a primeira vez que ouvi comentários meio xenófobos. Muitos portugueses reclamam que estamos acabando com o idioma português, mas eles não entendem que não são os únicos que falam a língua. Há outras culturas e outras palavras que são tão importantes quanto
Ricardo Dornelles de Oliveira

Fora popularizar o termo, Oliveira percebe que também tem influenciado mais brasileiros a trabalharem como entregadores. "Um seguidor estava prestes a voltar para o Brasil, mas, depois de ver o meu conteúdo, decidiu fazer entregas e continuou vivendo aqui", afirma, com orgulho.

O interesse dos brasileiros pelo trabalho como entregador tem a ver com o mercado formal português. O grupo que engloba a ocupação, chamado de "outras profissões elementares", cresceu 240% em dez anos e se tornou o segundo que mais engordou no período. Em 2011, eram 1310 brasileiros no setor. Em 2021, passaram a ser, 4557, segundo o Instituto Nacional de Estatística, de Portugal.

Embora a categoria não se limite apenas aos entregadores por aplicativo (há bagageiros, distribuidores e trabalhadores polivalentes), a guinada coincidiu com a chegada a Portugal das plataformas Uber Eats e Glovo, em 2017, e do Bolt Food, em 2020.

A baixa remuneração também atrai brasileiros para o delivery: um quarto dos trabalhadores do país recebe um salário mínimo, de 760 euros (por volta de R$ 4,1 mil). Oliveira trabalha de 12h a 16h por dia e recebe 100 euros por dia em Lisboa ou 70 euros na cidade do Porto. "Viver das entregas é uma opção para quem quer trabalhar com flexibilidade de horário sem ter que lidar com xenofobia das pessoas", diz o criador de conteúdo.

Agora, ele se divide entre as entregas e a vida de influenciador. "Por conta da visibilidade, tenho sido chamado para aparecer em alguns eventos e para divulgar estabelecimentos". Mas pretende deixar de ser entregador? "Não!".