“A sua identidade online é propriedade do seu fornecedor de email”, assegura o programador Daniel Aleksandersen.

Ao contrário dos telefones fixos ou dos telemóveis, cujo número se pode partilhar com amigos e mantê-lo mesmo que se mude de operador de telecomunicações, essa portabilidade é praticamente impossível no correio electrónico, também “devido ao grande número de empresas e serviços em que queremos ter o nosso endereço de email actualizado”.

Tudo “isto cria um ambiente quase único onde as empresas têm controlo total sobre a identidade online dos seus clientes e onde os clientes não podem mudar facilmente de fornecedor. O seu fornecedor de serviços de email sabe tudo o que comprou online, quais as aplicações e serviços em que se inscreveu, os seus interesses e toda a sua rede de contactos”.

O problema agrava-se quando esse fornecedor de email presta outros serviços, como sucede com a Google. Um recente caso demonstrou isso mesmo – a par com “os perigos da detecção automatizada de imagens de abuso sexual infantil” ou CSAM.

A Google identificou um homem (“Mark”) como detentor desse tipo de imagens, após ele ter fotografado o pénis do filho e enviado as fotografias para o médico de família, e apagou-lhe a conta em todos os seus serviços.

“Mark foi inocentado de qualquer ilegalidade criminal, mas a Google disse que irá manter a sua decisão”, escreveu o The Guardian.

O Stratechery analisou o caso em mais detalhe, considerando como “parece uma incrível violação de privacidade ter uma corporação privada a efectivamente examinar todas as fotos que se envia [para os seus serviços], principalmente quando esses ‘uploads’ ocorrem como parte da maneira esperada de operação do smartphone (os utilizadores concordam tecnicamente com essa verificação, mas como parte de um End User License Agreement [EULA ou acordo de licença de utilizador final] interminável que é ridiculamente longo e, mais pertinentemente, inescapável se se quiser usar o telefone como foi idealizado)”.

O comportamento da Google não viola qualquer lei, embora “toque” em várias das emendas da Bill of Rights (a Carta dos Direitos onde constam as dez primeiras emendas à Constituição dos EUA).

Enquanto a Quarta Emenda proíbe as “buscas e apreensões não razoáveis”, a Quinta refere que “nenhuma pessoa será privada da vida, liberdade ou propriedade, sem o devido processo legal”. Este julgamento é assegurado na Sexta Emenda. “Mark não foi acusado de nenhum crime no mundo real”, mas relativamente à sua vida digital, a Google foi “juiz, júri e carrasco”.

Estes direitos, no entanto, não se aplicam a empresas mas ao governo dos EUA. Não são, no sentido restrito do termo, leis. Mas “os direitos são maiores do que as leis, e a Google violou os primeiros”, pelo que deve “reavaliar o equilíbrio que estabeleceu entre o seu poder sem precedentes sobre a vida das pessoas e os processos que possui para garantir que o poder não é abusado” – ou “negociado” com a justiça, como sucedeu com o expectável acordo relativamente ao Facebook e à Cambridge Analytica.

Ambos os textos referidos apelam a uma mobilização dos utilizadores contra as más práticas dos serviços online. Não é uma atitude nova, assim como em sentido contrário se fala do desejo de virar costas e sair da Internet.

O que parece emergir são novos campos de litigação, acelerados pelas controvérsias das plataformas sociais, sem que os direitos dos utilizadores sejam realmente assegurados. Perante uma nova lei dos media sociais, estes prosseguem sem a real aplicação de um Bill of Rights dos utilizadores, como o apresentado na Computers, Freedom and Privacy Conference de 2010:

“Nós, os utilizadores, esperamos que os sites de redes sociais nos forneçam os seguintes direitos nos Termos de Serviço, Políticas de Privacidade e implementações do seu sistema:

1. Honestidade: Honrem a sua política de privacidade e termos de serviço.

2. Clareza: Certifiquem-se de que as políticas, termos de serviço e configurações são fáceis de encontrar e entender.

3. Liberdade de expressão: Não excluam ou modifiquem os meus dados sem uma política e justificação clara.

4. Empoderamento: Apoiem tecnologias assistivas e acessibilidade universal.

5. Autoprotecção: Apoiem tecnologias que melhoram a privacidade.

6. Minimização de dados: Minimizem as informações que devo fornecer e partilhar com outras pessoas.

7. Controlo: Me deixem controlar os meus dados e não facilitem a sua partilha, a menos que eu concorde primeiro.

8. Previsibilidade: Obtenham o meu consentimento prévio antes de alterar significativamente quem pode ver os meus dados.

9. Portabilidade dos dados: Facilitem a obtenção de uma cópia dos meus dados.

10. Protecção: Tratem os meus dados com a mesma segurança que os seus próprios dados confidenciais, a menos que eu decida partilhá-los e me notifiquem se eles forem comprometidos.

11. Direito a saber: Mostrem-me como estão a usar os meus dados e permitam que eu veja quem e o que tem acesso a eles.

12. Direito à auto-definição: Me deixem criar mais de uma identidade e usar pseudónimos. Não os liguem sem a minha autorização.

13. Direito a recorrer: Permitam-me recorrer de uma acção punitiva.

14. Direito de remoção: permitam que eu exclua a minha conta e remova os meus dados”.

Imagem: Civil Liberties Union for Europe