Assume-se como “um jogo com um propósito diferente" e foi lançado em 2016 pelo estúdio britânico Glitchers, com o apoio da Deutsche Telekom e a Alzheimer’s Research UK. O objetivo era ajudar os cientistas a diagnosticarem de forma precoce a demência e a encontrar um tratamento no futuro. E, três anos depois, tudo indica que a missão do Sea Hero Quest em versão mobile e em realidade virtual (RV) está a ser cumprida.

De acordo com uma investigação publicada na revista da Academia das Ciências dos Estados Unidos da América a avaliação do comportamento da navegação através do jogo possibilitou uma forma de "discriminar o envelhecimento saudável de indivíduos geneticamente em risco de vir a ter doença de Alzheimer". Por outro lado, os dados recolhidos através do jogo podem ser utilizados como um conjunto de dados de referência normativa para determinar com eficiência a perda no sentido de orientação de forma individual, suspeita de ser um dos primeiros sinais da doença de Alzheimer.

No site do jogo, a equipa garante que os jogadores conseguiram gerar a mesma quantidade de dados que os cientistas demorariam cinco horas a reunir em contexto de laboratório. Jogado durante um total de 117 anos, o Sea Hero Quest correspondeu a mais de 17,600 anos de investigação sobre a demência.

Os primeiros resultados comprovam que a capacidade de orientação começa a entrar em declínio a partir dos 19 anos e que há diferenças fundamentais nas estratégias de navegação especial entre homens e mulheres, visto que os indivíduos do sexo masculino obtiveram melhores resultados do que o feminino, sendo que esta disparidade se revelou menor nos países com maior igualdade de género. O PIB de cada país também teve um peso significativo, com os países nórdicos entre os que obtiveram o melhor desempenho, juntamente com os países da América do Norte, Austrália e Nova Zelândia.

A atualização da app em 2017 para uma versão de RV poderá ter ajudado a contribuir para o seu sucesso, uma vez que a natureza intuitiva da tecnologia de RV permitiu ao jogo rastrear as reações mais subtis e detalhadas dos jogadores como, por exemplo, os movimentos oculares.

Os jogadores do Sea Hero Quest completam tarefas como navegar num pequeno labirinto ou tirar fotografias da vida selvagem circundante, para verificar a orientação e outras habilidades cognitivas, por exemplo.

Com o Sea Hero Quest VR é possível “reproduzir experiências de laboratório altamente fiáveis que simplesmente seria impossível reproduzir num contexto móvel”, pode ler-se no site do jogo. Para exemplificar, o jogo destaca a experiência “Morris Water Maze”, uma tarefa de navegação que estuda a memória e a aprendizagem do conceito de espaço.

Em entrevista ao Digital Trends, o co-fundador da Glitchers, Max Scott-Slade, assume que só depois da demonstração dos resultados que têm surgido sobre o jogo é que muitas pessoas têm aceite este desafio.

“Pessoas que antes eram céticas em relação ao projeto estão a começar a acreditar que o jogo serve realmente para o propósito que foi criado.”

Os cientistas que participaram no desenvolvimento do jogo, Hugo Spiers e Michael Hornberger, assumem-se agora confiantes em lançar mais recursos no Sea Hero Quest. No entanto, Hugo mostra-se desanimado por não existirem mais jogos com propósitos semelhantes.

"Acho um pouco deprimente como poucas empresas de jogos associaram uma imagem positiva, como por exemplo, porque não jogar Fortnite e ajudar a resolver problemas de saúde na sociedade?”

O jogo levou para casa nove prémios na edição de 2016 no Cannes International Festival of Creativity, chegando mesmo a ser a aplicação com mais downloads do mundo.

Um trabalho que acabou de começar

Agora o plano é passar os próximos 10 anos a analisar os dados fornecidos através do jogo e verificar quais são os utilizadores que serão afetados pela doença de Alzheimer ou por demência. Para além disso, será iniciado um novo teste com 10.000 pessoas que utilizaram o jogo desde 2016.

Enquanto a comunidade médica se une em torno das descobertas do Sea Hero Quest, a Glitchers está a desenvolver a versão RV com opções adicionais para médicos e outros utilizadores estudarem por si mesmos.

De acordo com dados de 2019 da Organização Mundial da Saúde, a demência afeta 50 milhões de pessoas em todo o mundo, tratando-se de uma síndrome que provoca a deterioração da memória, do pensamento, do comportamento e da capacidade de realizar atividades quotidianas.

A doença de Alzheimer em concreto provoca uma deterioração global, progressiva e irreversível de diversas funções cognitiva, como a memória, atenção, concentração, linguagem e pensamento. Esta patologia é a forma mais comum da demência, a representar 60 a 70% dos casos.