Mudança alvissareira

"Reforma traz segurança e não tem
poder para tirar direitos do trabalhador"

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20 de agosto de 2017, 8h51

Sancionada pelo presidente Michel Temer em julho, a reforma trabalhista criará segurança jurídica e aumentará o número de vagas de emprego, na visão do advogado Décio Freire, especialista em Direito do Trabalho e atuante na defesa das empresas.

Freire aplaudiu os 358 artigos, incisos, parágrafos e alíneas alterados na Consolidação das Leis do Trabalho. De acordo com o advogado, a reforma faz com que o processo do trabalho seja equiparado ao civil quanto a prazos, o que é um avanço. Além disso, ele vê nas mudanças uma aproximação do empresário e do trabalhador. “Fundamentalmente essas reformas visaram valorizar o cidadão empregado”, afirmou, em entrevista à ConJur.

Quando se privilegia as negociações, ou seja, dando força realmente ao que o indivíduo assina, ao documento firmado, à negociação individual e a negociação coletiva, é claro que a tendência é reduzir o litígio — Décio Freire

Do alto de sua experiência junto ao meio empresarial, o advogado afirma que a reforma deve estimular o investimento no país. “Isso vai gerar, naturalmente, um entusiasmo maior. Primeiro para o investidor, que, obviamente, quer investir em um país onde a legislação é segura, firme, mas que não engesse. Segundo é o próprio empresário, que vai se sentir mais gestor do seu negócio”, diz.

O advogado afirma que a Consolidação das Leis do Trabalho funcionou para a época que foi feita, mas que já não atendia aos anseios dos tempos atuais.

Enquanto alguns magistrados e procuradores do Trabalho, movimentos sociais, sindicatos e partidos de esquerda, afirmam que a reforma tira direitos do trabalhador, Freire afirma que isso simplesmente não é possível: "Os direitos dos trabalhadores, sejam eles urbanos ou rurais, são assegurados pelo artigo 7 da Constituição, quem tem ali 34 incisos. E, sendo a reforma uma lei ordinária, não se sobrepõe à Constituição”, afirma.

Leia a entrevista:

ConJur — Você acha que a reforma trabalhista foi satisfatória ou, como dizem, foi a que deu para fazer?
Décio Freire —
Tenho falado isso rotineiramente: ela me surpreendeu. Não só a mim, mas a todos aqueles que operam na área trabalhista. Essa coordenação em meu escritório é feita por um autor de vários e vários livros em Direito do Trabalho, ele também foi surpreendido. Então eu entendo que ela foi extramente alvissareira. Superou as expectativas. Eu tenho dito que o que esse governo fez ao aprovar essas reformas já foi mais do que todos os anteriores. Porque não só a CLT é de 1943, e por isso extremamente arcaica para os tempos atuais, como, pouca gente sabe, tem entre suas bases uma norma ainda mais antiga. Parte da base veio das encíclicas do Papa Leão XIII de 1891. É uma legislação que serviu à época. Quando Getúlio Vargas promulgou a CLT, ela serviu, era uma modernidade. Mas hoje não. Então acho que essas reformas vieram tardiamente, mas ainda bem que vieram.

ConJur — Qual ponto mais impressionou na reforma?
Décio Freire —
Foram trezentos e cinquenta e oito artigos, incisos, parágrafos e alíneas alterados. Para nós, advogados, eu destaco o fato de ela ter equilibrado a questão de prazos. Embora o Código do Processo Civil preveja prazo em dias úteis, o processo de trabalho não acompanhava. E uma série de outras situações ligadas ao processo do trabalho, todas benéficas ao estabelecer uma equidade com o processo civil.

ConJur —Qual será a mudança na prática dessas mudanças?
Décio Freire —
A reforma flexibilizou a relação de trabalho. A primeira coisa é que ela estabeleceu uma relação mais próxima entre empregado e empregador. Conferiu mais importância às negociações coletivas e até às individuais. Por isso tenho convicção que o empresário naturalmente vai ter mais liberdade para gerir a relação de trabalho ali existente. Ele tem mecanismos que permitem mais liberdade de gestão. Isso vai gerar, naturalmente, um entusiasmo maior. Primeiro para o investidor, que, obviamente, quer investir em um país onde a legislação é segura, firme, mas que não engesse. Segundo é o próprio empresário, que vai se sentir mais gestor do seu negócio. Então acredito também que isso deva ser benéfico.

ConJur — Há expectativa de diminuir o número de ações trabalhistas?
Décio Freire —
Quando se privilegia as negociações, ou seja, dando força realmente ao que o indivíduo assina, ao documento firmado, à negociação individual e à negociação coletiva, é claro que a tendência é reduzir o litígio. Porque, afinal de contas, essa negociação está sendo privilegiada e é prévia. Então a tendência, a expectativa, é que haja uma redução gradual de litígio. Uma mudança de filosofia e uma redução de litígio.

ConJur — Existe um receio dentro do mundo empresarial que o Supremo Tribunal Federal barre mudanças da reforma, declarando que alguns pontos são inconstitucionais?
Décio Freire —
Durante o debate sobre a reforma, muito se falou que o trabalhador teria uma perda de direito. E efetivamente não existe isso. Os direitos dos trabalhadores, sejam eles urbanos ou rurais, são assegurados pelo artigo 7 da Constituição, quem tem ali 34 incisos. E, sendo a reforma uma lei ordinária, não se sobrepõe à Constituição. Todos os direitos fundamentais estão ali elencados na Constituição. Então ela não trás perda de direito e nem gera insegurança para o trabalhador, no meu modo de ver. A Constituição foi respeitada, a ponto de, por exemplo, o próprio presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Ives Gandra, fazer uma defesa elogiosa das reformas. Questionamento pode haver, mas nenhum tipo de declaração de inconstitucionalidade ou coisa que o valha, porque, no meu modo de ver, não há.

ConJur — As manifestações contrárias do Ministério Público do Trabalho e entidades de juízes do Trabalho são motivadas por interesses classistas?
Décio Freire —
Toda mudança, sobretudo uma mudança depois de 70 anos, gera resistência. Existem temores. Existe insegurança, se vai dar certo, se não vai dar certo. Então eu prefiro ver por esse lado: é um debate democrático, onde todos colocaram as suas posições e houve a sanção da lei. E acredito que ela – aí vem o ponto de vista, naturalmente de advogado, e de advogado de empresa – tem tudo para dar certo. Aacredito que vai facilitar muito a vida tanto do trabalhador como do empresário.

ConJur — O senhor concorda que o principal ponto da reforma é dar força ao acordo feito entre empresas e trabalhadores?
Décio Freire —
Fundamentalmente essas reformas visaram valorizar o cidadão empregado. Porque vários atos que o próprio empregado praticava por vontade própria, até então teriam que ser quase que tutelados pelo sindicato ou por órgãos de registro. As reformas flexibilizaram isso, ou seja, deram mais importância para o cidadão e para a vontade do cidadão. A questão, por exemplo, do fim da contribuição sindical obrigatória é a modernidade. Isso é a democracia. Ou seja, o trabalhador deve querer ser sindicalizado, ele deve querer contribuir. É um ato de vontade, não um ato de obrigação. Isso tudo é uma evolução. Da mesma forma que na década de 1940 talvez fosse necessário. Óbvio que nós tínhamos uma situação totalmente diferente, formação inclusive pessoal dos empregados, dos trabalhadores. 

ConJur — A dispensa da necessidade de homologação dos sindicatos para atos como demissão muda muito o dia a dia?
Décio Freire —
Não acho que mude. Gera uma maior autonomia para o trabalhador, um maior respeito a vontade dele, que não necessita de tutela. Essa questão da rescisão de trabalho por comum acordo é extremamente alvissareira. Até então, se o funcionário pedia demissão, não ganhava nada. Com a nova reforma, pode ter rescisão conjunta, de comum acordo. Então a pessoa vai ganhar 50% do aviso prévio, da multa fundiária [do FGTS] e vai levar 80% do fundo de garantia. Então acho que a ótica é a melhor possível. O Brasil precisava muito disso. E nesse período em que nós estamos, de tanta notícia ruim, as reformas foram realmente uma luz.

ConJur — Agora existe a expectativa que o presidente Michel Temer edite uma medida provisória para regular alguns pontos da lei. No que o senhor acha que ele vai mexer?
Décio Freire —
Não acho que mude a essência de nada. A expectativa é de que essas reformas pudessem realmente permanecer como foram sancionadas. Ou seja, houve audiências públicas, houve votação na Câmara, houve votação no Senado. Houve ampla discussão. Eu mesmo estive na CCJ do Senado no dia da votação. Teve discussão acalorada, técnica entre os parlamentares. Se tudo foi discutido e votado democraticamente, acho que tem que prevalecer.

ConJur — A extinção do processo caso ele não seja julgado em oito anos vai promover celeridade?
Décio Freire —
O que existe é agora é a prescrição intercorrente, em que o processo não pode ficar parado dois anos. Isso existe na Justiça comum e funciona. E veja bem, é raríssimo se deparar com a prescrição intercorrente ou com a declaração de prescrição intercorrente. São exceções importantes para gerar uma equidade com o processo civil. A CLT reúne não só a legislação da relação de trabalho, mas também a do processo do trabalho. Assim, não tem um código do processo de trabalho e a CLT utiliza analogicamente o código do processo civil naquilo que não é definido nela. Agora trouxeram para dentro do processo de trabalho maior equidade. Não tem sentido a Justiça do Trabalho ter um prazo corrido em dia e, no processo civil, em dia útil.

ConJur — E quanto à possibilidade de o Tribunal Superior do Trabalho vetar mudanças com a edição de súmulas?
Décio Freire —
Outro avanço é a vedação da criação de anunciados e súmulas criando direito não previsto em lei. Temos o exemplo da terceirização: o enunciado 331, que veda a terceirização de atividade-fim, dizendo que é ilegal. Só que não existe nenhuma lei que vete terceirização de atividade-fim ou de atividade-meio ou de qualquer tipo de atividade. Se na Constituição Federal fala que ninguém pode ser proibido fazer alguma coisa ou obrigado a fazer alguma coisa se não em virtude de lei, como podem considerar ilegal algo que não está na lei? É isso que agora as reformas fizeram: pacificaram. Se não há uma lei que proíba terceirização, não é por enunciado que vai se proibir, criando um direito.

ConJur — E o fracionamento das férias, é uma mudança bem-vinda?Décio Freire — Acho uma demonstração de respeito ao cidadão a questão do fracionamento das férias. Ele não é obrigação, é facultativo. Na verdade, isso está aqui regularizando uma situação que existe. É um respeito ao cidadão, que pode fracionar caso queira.

ConJur — Quais os outros pontos da reforma que você destaca?
Décio Freire —
A normatização do teletrabalho, ou seja, da pessoa que trabalha em casa utilizando mecanismos da tecnologia da informação, é importantíssima. Há a questão do banco de horas extras, podendo compensar até o prazo de seis meses, que é fundamental para a empresa gerir a sua atividade. Muitas vezes, as companhias têm períodos de picos e outros de baixa. Assim, pode fazer essa compensação sem lesão nenhuma ao empregado. Acho muito importante a própria formação de grupo econômico, porque a mera identidade de sócios passa a não ser, vamos dizer, preponderante para caracterizar o grupo econômico. No plano da equiparação salarial, a empresa antes precisava ter um plano de cargos de salários registrado para que aquilo ali pudesse demonstrar que ela tem uma evolução horizontal e vertical. Agora não, agora pode ser uma norma interna da empresa, desde que fique comprovada sua existência.

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