Coelho na cartola

Criminalistas veem tentativa do MPF de esquentar provas na "lava jato"

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9 de novembro de 2015, 16h13

O fato de um procurador do Ministério Público Federal ter ido à Suíça buscar provas sem seguir as regras determinadas por lei, conforme publicou a ConJur na última quinta-feira (5/11), colocou em xeque parte da operação “lava jato”, que investiga o pagamento de propinas em contratos públicos. Profissionais do Direito ouvidos pela reportagem foram diretos ao dizer que qualquer prova obtida em desconformidade com o ordenamento jurídico é ilegal e deve ser banida do processo.

Quem compartilha dessa avaliação é o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil Guilherme Batochio. O criminalista lembra que não há fim que possa justificar os meios. Segundo ele, se ficar comprovado o uso das provas obtidas sem a autorização do Ministério da Justiça (autoridade central do Brasil para a cooperação internacional com a Suíça), além de descreditar o próprio processo, o MPF aumentará a sensação de impunidade, pois reduzirá os resultados da operação, alardeada pela imprensa como de combate à corrupção. “Aí está uma das causas — senão a maior delas — da impunidade: a inobservância, por parte das autoridades estatais, dos direitos e garantias individuais”, ressalta o advogado.

Um dos problemas apontados é o Ministério Público Federal alegar que trouxe da Suíça um pen drive com informações bancárias de acusados para, depois, pedir o mesmo material pela via determinada por lei. Segundo o criminalista Paulo Sérgio Leite Fernandes, trata-se de uma tentativa de “esquentar a prova”, ou seja, de tornar legal uma prova ilícita, ou, no jargão dos criminalistas, uma “prova podre”. “Não se pode tirar um coelho na cartola e dizer que ele já estava ali, domesticado”, diz Leite Fernandes.

Ao investigar e depois "branquear" a prova "suja", o MPF promove conduta processual ilegal, passível de declaração de nulidade, inclusive dos seus consectários, garante o juiz e professor Alexandre Morais da Rosa. Ele critica o fato de usarem uma suposta guerra contra a corrupção para tomarem tais atitudes, deixando claro que a “obtenção de prova ilegal é uma forma de corrupção do devido processo legal substancial”.

Como o pen drive trazido direto pelo procurador Deltan Dallagnol, sem autorização do Ministério da Justiça, contém dados protegidos por sigilo, lembra o criminalista Alaor Leite, há vedação legal da entrega de tal prova na Suíça, pelo artigo 67a do Act on International Mutual Assistance in Criminal Matters (Lei de Assistência Internacional Mútua em Questões Criminais, em tradução livre), de 20 de março de 1981, com redação de janeiro de 2013, o que torna a prova ilícita no Brasil.

O fato de dados bancários serem protegidos por sigilo no Brasil é lembrado também por Filipe Vergniano Magliarelli, presidente da Comissão de Direito Penal do Movimento de Defesa da Advocacia. Tal sigilo só pode ser afastado para fins de instrução criminal e por determinação judicial. “Independentemente de como o sistema Suíço trata dessa questão, no Brasil, nenhuma prova que implique violação de sigilo pode ingressar no processo sem que um juiz analise sua adequação legal”, afirma.

No entanto, para Magliarelli, isso não impede que as informações sejam, posteriormente usadas no processo, desde que obtidas, novamente, pela via legal. Saber antes o conteúdo dos extratos para, depois, pedir a cooperação representa, segundo ele, é uma “deslealdade processual com a parte contrária”, mas não impede “sua posterior convalidação, se eventual e futuro pedido — formal — de compartilhamento de provas vier a atender ao Tratado Brasil-Suíça”.

Ao comentar a questão, a própria Procuradoria-Geral da República afirma que o intercâmbio de provas antes de o pedido ser feito formalmente é uma situação recorrente. Para o advogado Arnaldo Malheiros Filho, o argumento serve apenas para “colocar o MPF ao lado dos corruptos que dizem nada mais fazer do que aquilo que sempre foi feito. Seriam os usos e costumes contra legem derrogando a lei”.

E é impensável um Estado que desrespeita o seu próprio ordenamento jurídico, censura o advogado José Roberto Batochio. Ele aproveita a discussão para citar Winston Churchill — primeiro ministro do Reino Unido durante a Segunda Guerra Mundial: “O elemento fundamental que caracteriza uma verdadeira democracia é o respeito que as autoridades constituídas têm pela lei.”

Uma vez que o tratado de cooperação jurídica entre o Brasil e a Suíça para matéria penal deixa claro que cabe às autoridades centrais dos países fazer pedidos e autorizar a troca de documentos e o Decreto 6.974/2009, que promulgou o tratado, lista como autoridade central no Brasil apenas a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério de Justiça, não caberia outra medida que não a anulação das provas obtidas por outro meio, sentencia o criminalista Rodrigo Dall' Acqua.

“Declarar a nulidade de uma prova colhida ilegalmente pode parecer um retrocesso, mas é a melhor forma de fazer com que as autoridades cumpram a lei dali em diante. Como bem lembra o ministro Marco Aurélio, ‘paga-se um preço por viver em uma democracia’”, diz o advogado.

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