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O Bom Jesus e o Infame Cristo, de Philip Pullman: Uma Sátira do Cristianismo Institucional


Antes de qualquer coisa, vale dizer que o livro acima é apenas mais um daqueles romances céticos, na mesma linha de Nikos Kazantzaks e José Saramargo, embora tenha uma pretensão "histórica". Penso que o núcleo da trama de Pullman se desenrola em torno da velha questão envolvendo as "fontes" do Cristianismo, cujo sistema moderno a crítica liberal estabelece como tendo se desenvolvido com base numa política de suplantação do mais fraco. O "fraco" seria obviamente a massa do populacho comum dominada pela elite religiosa, o Clero. O "forte" seria o Clero, que  valendo-se de Jesus e sua mensagem, teria estabelecido as normas oficiais que regulamentaram a religião cristã de modo definitivo. Assim, a verdadeira história sobre Jesus e seu movimento foi ajustada para servir a interesses secundários. Esse parece ser o teor do presente livro. 

Pode-se dizer que o volume segue o estilo daqueles que se dirigem às massas, i.é, àqueles que pouco ou nada entendem de Teologia ou História Eclesiástica, e por isso podem ser facilmente impressionados ou influenciados. Um agravante, porém, é que a obra se dirige aos juvenis, cujas mentes ainda não desenvolveram o senso crítico acerca do assunto e facilmente sucumbem a essa modalidade fantástica de argumentação. Acaba gerando dúvidas.

Philip Pullman é ateu declarado e escritor reconhecido. De nacionalidade britânica, Foi professor em Oxford e publicou diversas obras literárias, tendo, inclusive, várias adaptações para o cinema. Seu primeiro livro, "The Haunted Storm" (1972) teve reconhecimento e foi premiado. A partir daí sua carreira literária decolou de forma excepcional. Sua trilogia "The Dark Materials" rendeu pelo menos dois prêmios: Em 1995 recebeu o Guardian Children's Fiction Prize com sua obra "Northern Light", o primeiro da série; em 1997, obteve o American Library Association pela publicação de "The Subtle Knife", o segundo; e em 2002, a New Line adquiriu os direitos autorais da série que recebeu versão cinematográfica. Depois disso, diversas obras suas foram adaptadas para as telas. Atualmente, Pullman é cotado entre os 50 maiores escritores ingleses de todos os tempos.

Em 2010, chegou às livrarias o seu mais recente trabalho: "O Bom Jesus e o Infame Cristo". Trata-se de uma sátira anti-cristã, ou como alguns têm definido, "anti-católica". Por meio dele, Philip Pullman busca, de forma debochada, recontar a história do Cristianismo, focando nada menos que a história de Jesus Cristo. Retificando: melhor dizer a história de "Jesus" e de "Cristo". Isso porque em "O Bom Jesus e o Infame Cristo", José e Maria, a caminho de Belém, têm duas crianças e não apenas uma. Diante da ansiedade dos pastores que vão ao estábulo onde esperam ver o Messias, e em dúvida sobre qual dos dois meninos seria aquele que redimiria a humanidade, Maria se decide pelo segundo a nascer, que seria o mais frágil entre os dois: "O nome desse é Cristo", diz Maria. "O outro se virará muito bem sem esse título." A partir daí, as duas figuras são emblemáticas e representam as duas facetas do Cristianismo histórico.

Desde a infância, o "Jesus" de Pulmann é menino como outro qualquer. O "Cristo", por sua vez, embora fraquinho, fica espreitando o irmão que desde cedo começa a fazer milagres. Às vezes tira o irmão de enrascadas usando a lábia e o conhecimento das Escrituras. Mas no fundo, o menino Cristo de Pullman é um invejoso. E é ele quem tenta auxiliar o irmão a fundar o "Reino de Deus", com base na ideia de uma igreja, arquitetando a sua morte. Nessa hora, até mesmo o menino Jesus de Pullman demonstra uma fraqueza, quando clama a Deus, e diante do Seu silêncio, na noite entrecortada por uivos e chilreios, ele diz as terríveis palavras:
“Se eu achasse que você está nesses sons eu poderia te amar com todo meu coração, ainda que esses fossem os únicos sons que tu fizesses. Mas tu estás no silêncio. Tu não és nada. Deus, há alguma diferença entre dizer isso e dizer que tu não estás aí de forma alguma? Eu posso imaginar algum padre esperto em anos vindouros enganando seus pobres seguidores: 'A grande ausência de Deus é, claro, o sinal mesmo de sua presença', ou algum disparate do tipo”.
Na sátira, pelo que se nota, o Jesus representaria o Jesus Histórico, que viveu e agiu entre os homens e nunca teve pretensões messiânicas ou divinas, nem nunca pretendeu uma igreja. O Cristo corresponderia ao lado "político" do Cristianismo que se movimenta às custas da morte de Jesus e de sua mensagem, para criar a Igreja. Assim, as figuras criadas por Pullman em seu romance, em tese, apenas representariam essas das duas facetas do Cristianismo primitivo: O Cristianismo "marginalizado" com suas diversas leituras da pessoa de Jesus e o "ortodoxo", que os confrontava, e que no decorrer dos anos se estabilizou de forma hegemônica, criando as estruturas daquilo que seria a Igreja institucionalizada.

Talvez o que Pullman questiona é: Quem seria de fato o verdadeiro Jesus por traz da história? Houve alguma manipulação dos fatos para benefício de terceiros? Quem teria criado o movimento do Cristianismo e a Igreja? Para Pullman, a criação da Igreja e da ordem eclesiástica não tiveram nada a ver com o Jesus Histórico, mas com interesses de terceiros. A dúvida é: Quem seriam? Seus irmãos? Seus discípulos?

Essencialmente, parece que não há nada de novo na proposta de Pullman. Ele apenas descreve de modo irônico, a sua perspectiva do que poderia ter acontecido. A Igreja católica tomou as dores. Pullman foi duramente criticado, mas isso apenas despertou mais interesse pelo livro.

Desde o século passado, após a década de 40, com as descobertas dos escritos em Qunrã e no Baixo Egito, o debate em torno das "fontes" do Cristianismo tem sido cada vez mais intenso dentro da comunidade erudita. Os mais ousados em suas propostas têm sido os componentes do Jesus Seminar, de Marcus J. Borg e John Dominic Crossan, com sua aproximação e predileção pelos   escritos apócrifos. E o que vemos acontecendo recentemente, é que os debates sobre o assunto tem atingido as massas de maneira prodigiosa.

Ao que parece, o que Pullman pretende é apenas produzir uma reflexão crítica. Entretanto, como toda literatura cética, o livro trata o tema a partir de uma visão revisionista da realidade histórica do Cristianismo, e que questiona as fontes hoje tidas como fidedignas. Há diversos escritores que se valem dessa proposta revisionista numa perspectiva acadêmica, tais como Elaine Pagels, Elisabeth Fiorenza e John Dominic Crossan, entre outros. Mas o fato é que embora esse insight criativo que tenha aparência de originalidade e genialidade inventiva, é apenas uma repetição de jargões desde há muito confrontados e refutados no decorrer da história eclesiástica.

Entretanto, fica a pergunta: Porque tem havido tanta proliferação desse tipo de literatura, na atualidade? Talvez uma das razões desse fenômeno seja uma ignorância em relação à verdadeira origem do Cristianismo e à sublimidade e distinção da pessoa de Jesus por parte de um grupo de céticos. Mas penso que essa não é a única nem a maior razão. Considero o maior agravante a evidente manipulação de informações pela mídia secular em torno do Cristianismo e suas instituições. Como exemplo, cito aquilo que Michelson Borges noticiou em seu blog: Nenhuma ênfase foi dada pelas revistas semanais em torno do veredicto da Arqueologia confirmando a autenticidade do "Ossuário de Tiago", o "Irmão de Jesus". Essa foi uma das mais recentes descobertas arqueológicas que remontam as origens do Cristianismo. Porém, depois de ter sido desacreditada em todos os meios de comunicação populares e acadêmicos, e após mais de cinco anos sob análise em um processo com mais de 12 mil páginas, foi completamente ignorada a notícia de sua autenticidade, declarada de forma judicial, pelo Juiz Aharon Farkash, do Tribunal Distrital de Jerusalém, em 2012. Em lugar disso, o que se presenciou foi uma das mais famigeradas revistas (supostamente) científicas dando destaque na capa a mais uma concepção ateísta/evolucionista da pessoa de Deus. Nesse tempos novos, tem sido um modismo afirmar a dúvida, e não a fé.

Recomendo a qualquer curioso acerca das fontes e das origens cristãs a ler a preciosa obra de Darrel L. Bock, "Os Evangelhos Perdidos", pela Thomas Nelson do Brasil. Nele, o autor entra no debate em torno da proposta de que a história do Cristianismo deveria ser reescrita sob o prisma dos escritos excluídos e dos grupos considerados heréticos dentro da história eclesiástica. Bock avalia as diversas concepções do Gnosticismo e sua datação, e possibilita de modo profundo um encontro com os apócrifos dentro de seu contexto original. Sua obra responderia bem à questão: Os apócrifos e os escritos gnósticos foram influenciados pelo Novo Testamento ou o Novo Testamento veio em confronto com estes escritos? Dentro desse contexto, confronta a proposta recente que estabelece estes escritos como em pé de igualdade com os do Novo Testamento. Bock vai no cerne das questões envolvendo a origem do Cristianismo e da singularidade da pessoa de Jesus.


Linguagem leve, clara e profunda, e pode ser lido até mesmo por aqueles que possuem pouca ou nenhuma cultura teológica. Próprio para este momento de nossa história, frente aos desafios do Cristianismo. Uma das mais belas obras que eu li, desse gênero.

Concluindo, fica a pergunta: Vale a pena ler a obra de Bock  Pullman? Depende. Se houver disposição para uma leitura de entretenimento, não custaria perder algumas horas. Mas penso que se o interesse é acadêmico e reflexivo, há outros materiais mais adequados para se ler. E o de Bock, com certeza, seria um destes. - [Claudio S. Sampaio]

http://pastorclaudiosampaio.blogspot.com

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