segunda-feira, março 02, 2015

Finalmente, meu olhar 43

Só enxerguei bem quando vi a Luz
“E pra você eu deixo apenas meu olhar 43, aquele assim, meio de lado, já saindo, indo embora, louco por você.” Essa frase, cantada por Paulo Ricardo (do conjunto RPM) nos anos 1980, grudou muitas vezes na mente de muita gente (e não é que me veio de novo à memória?). Nunca entendi por que “43”, mas uma coisa a gente sabia: era o tipo de olhar que quer seduzir, que encara o pretendente demoradamente, fazendo charme. Ou algo assim. (Só sei que funcionou com minha esposa...) Mas não é sobre esse tipo de olhar que eu quero falar. Na verdade, tomei emprestada essa gíria saída do túnel do tempo para registrar que hoje, finalmente, tenho um olhar 43, ou melhor, um olhar de 43 anos. E agradeço a Deus cada um deles. Algumas rugas apareceram; tenho bem menos cabelos e sinto falta da minha franja jogada para o lado; e depois de bons anos pós-cirurgia de correção visual, voltei a usar óculos – mas posso dizer que, em outro sentido, meu olhar melhorou e muito.

Muita coisa mudou no mundo nessas quatro décadas em que estou por aqui. No dia 2 de março de 1972, dia em que nasci há exatos 43 anos, foi lançada ao espaço pela Nasa a sonda Pioneer, com o objetivo de tirar fotos do sistema solar e explorar o espaço sideral. Além disso, a sonda contém uma placa de ouro com desenhos que, na opinião do falecido astrônomo Carl Sagan, revelariam tratar-se de algo feito por seres inteligentes. Sagan cria nesse tipo de design inteligente, embora rejeitasse o design inteligente da vida (ele era ateu). Cria que 1.200 e poucos bits de informação numa placa de ouro revelariam projeto, inteligência, intencionalidade. Mas não cria que os 60 zetabytes de informação contidos nas centenas de trilhões de células do corpo humano evidenciam as digitais do Criador. Durante quase metade da minha vida eu pensei como Sagan. Mas meu olhar mudou. Tornei-me criacionista. Passei a ver na criação os “atributos invisíveis de Deus” (Romanos 1:19-21).

Na minha adolescência, o rock brasileiro fazia o maior sucesso entre a gente. Além do RPM (que eu não curtia muito), tinha também Paralamas do Sucesso, Capital Inicial, Engenheiros do Hawaii e Legião Urbana (essa, sim, eu curtia bastante). Só que as músicas me diziam coisas do tipo: “Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar que tudo era pra sempre, sem saber que o pra sempre sempre acaba?” E outras “verdades” deprimentes que nos deixavam inconformados e desanimados ao mesmo tempo. Mas mudei de visão também nesse aspecto, e passei a escutar músicas que falam de esperança; que me dizem que existe, sim, um pra sempre que nunca acaba; e que essa esperança tem nome: Jesus. Meu olhar de 43 passou a ter um brilho diferente.

Na primeira metade da minha vida eu comi e bebi praticamente de tudo: churrasco, refrigerantes, embutidos, cerveja, torresmo (ui!)... O corpo era jovem e aguentou o “tranco”. Mas não precisava ter sofrido processando tantos elementos agressores. Não precisava ter me arriscado tanto com doenças e vícios. Podia ter vivido muito mais saudavelmente, com a mente mais clara, mas eu não sabia das coisas que sei hoje. Não sabia que podia ter prazer em alimentos simples e saudáveis, e que podia ter mais vigor e disposição. Meu olhar mudou. Passei a ver os animais criados por Deus não mais como alimento, e me senti mais leve e feliz.

Na primeira metade da minha trajetória neste planeta eu assisti a um monte de bobagens e li um bocado de lixo. Filmes de terror, de ficção científica, de aventura fútil e violência gratuita, seriados e mais seriados, histórias em quadrinhos de super-heróis, livros sobre mistérios da humanidade, e por aí vai. Quanto lixo acumulado na memória! Quanta perda de tempo! Quão pouca coisa útil em meio a tanta palha. Mas eis que minha visão mudou. Meu olhar sobre o que tinha e não tinha valor foi drasticamente alterado. De repente, aquilo tudo passou a não mais ter valor para mim. Arrependi-me do tempo perdido e me apaixonei por alimento de verdade, sólido, nutritivo: a Bíblia Sagrada e livros com conteúdo edificante. Deus teve que fazer uma faxina em minha mente e mudar o meu olhar, meus gostos e minhas preferências. Mas Ele fez isso, porque eu permiti. Porque eu pedi. E meu olhar de 43 se tornou mais claro.

Meu olhar adolescente/jovem não sabia o que era amor. Apaixonei-me umas poucas vezes, mas foi tudo passageiro. Até que o Deus a quem entreguei minha vida e que mudou meu olhar me apresentou àquela a quem eu daria meu coração. Aí, sim, pude descobrir o amor. Pude olhar para uma mulher com o olhar de Deus – não aquele “assim meio de lado”, mas aquele que vê dentro dos olhos; que vê o ser todo, não apenas um corpo; que vê sentimentos, sonhos, projetos, sinceridade. Que vê uma pessoa e pode concluir, com a aprovação do Senhor: “É com ela que eu quero dividir o restante dos meus dias aqui e os milênios infindos na eternidade.” Meu olhar mudou, e descansou nela. Meu olhar mudou, pois descobriu o verdadeiro amor e o maravilhoso plano do Criador para um homem e uma mulher casados. Meu olhar mudou, pois descobri que é possível amar cada vez mais, à medida que o tempo passa.

Ao olhar para trás através dessas quatro curtas décadas (sim, passou rápido!), arrependo-me de muitas coisas, gostaria que algumas não tivessem acontecido, revivo certas dores e carências, mas também sinto saudades de bons momentos e pessoas queridas. Ao olhar para trás, agora com o olhar de 43, consigo ver as falhas dos meus pais – até porque muitas vezes acabo incorrendo em erros semelhantes –, mas também consigo ver ainda mais evidentes suas virtudes. Hoje sou pai e consigo avaliar o peso dessa palavra. Ao olhar para eles com meu olhar de 43 percebo que os amo tanto quanto não tinha me dado conta antes. E minhas irmãs? Com o olhar de 43, a gente percebe que são pessoas mais do que especiais. Pessoas que, se a gente pudesse, pegaria no colo sempre que sofrem ou se machucam pela vida. Pessoas que a gente não quer que estejam ausentes do Céu por nada neste mundo. Não importam o tempo e a distância, pais e irmãos marcam nossa vida para sempre e estão sempre pertinho do coração.  

Meu olhar de 43 é o de olhos que sabem que já viveram metade de uma existência humana, e que somente existe esperança se olharem mais para frente do que para trás. Se olharem mais para o alto do que para baixo.

Meu olhar de 43 mudou em muitos outros aspectos. E sabe por quê? Porque o fixei em Jesus Cristo, a luz verdadeira.

Michelson Borges

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